Pela 1ª vez Helena Ranaldi é criticada pelo público
A voz baixa e o comportamento contido de Helena Ranaldi estão sempre refletidos em seus personagens. Mesmo os mais sensuais, como a determinada veterinária Cíntia, de Laços de Família, seu primeiro papel de destaque na TV. Com gestos delicados e modos de quem foi educada no exterior, a paulistana de 41 anos consegue permanecer elegante até mesmo com uma personagem que está irracionalmente dominada pelo desejo.
Na pele da fogosa Dedina, a primeira-dama da pequena e fictícia Triunfo, de A Favorita, Helena saboreia pela primeira vez um papel que causa uma revoltante inquietação no público. Sempre escalada para mulheres sofisticadas e confiáveis - como a Raquel de Mulheres Apaixonadas, que está sendo reprisada - , na trama de João Emanuel Carneiro, Helena se delicia com os gestos safados e cada vez mais ousados da mulher do prefeito Elias, de Leonardo Medeiros.
Como não bastasse trair o marido com seu amigo Damião, de Malvino Salvador, ela chega a transar no próprio gabinete da prefeitura.
"Ela só age por impulso. Quando começou a se interessar por ele, fez de tudo para concretizar o desejo com o marido, mas ele estava sempre trabalhando. Então ela não resistiu", justifica Helena, delineando um sorriso.
Desde Mulheres Apaixonadas, que está sendo reprisada, você não vivia uma personagem de tanto destaque na TV. Suas participações em Páginas da Vida e Senhora do Destino não chamaram atenção. Por quê?
Se o ator não tiver a sorte de ter personagens que tenham conflito, nada acontece. Em Páginas estava no núcleo principal, gravava todos os dias, aparecia em várias cenas, mas a Márcia não tinha história. O Manoel Carlos não desenvolveu uma trama para ela. Para mim, como actriz, ficou um buraco. Hoje, por exemplo, gravei apenas uma cena e foi um prazer absoluto porque minha personagem movimenta uma história. O destaque dos personagens é ter um conflito e despertar uma curiosidade no público. Precisa provocar uma reação, boa ou má. Já fiz papéis maravilhosos com o Maneco. Mas nem sempre trabalhamos com prazer.
O prazer é o que movimenta a sua personagem Dedina, que trai o marido Elias com o Damião. Que características você trabalhou no papel para viver esse triângulo? Já havia assistido a diversos filmes que tratam desse tema. Sempre é uma situação delicada. Principalmente no caso de uma mulher que não quer viver aquilo. Eu a construí pelo desejo, que monitora a personagem. Ele é mais forte do que ela. Essa atração física, de pele, manda nela. Não sei o que pode acontecer, se ela vai se apaixonar, amar esse cara. Sei que ela também tem um amor muito grande pelo marido. Ela está traindo o Elias, mas sofre, se sente culpada. Não é uma relação confortável para ela. Mas o desejo faz com que ela tome essas atitudes e ela passa por cima da moral.
Como você avalia a personagem? No início estava previsto para ela também ser uma mulher bem ambiciosa.
Imaginei que a ambição dela seria bem maior. Se fosse assim, ela não estaria tendo um caso com um homem bronco que mora num barraco. Também não aceitaria morar numa casa sem empregados. Nada é muito problemático para ela. É uma mulher que veio de São Paulo, estudou, é formada, mas não tem uma ambição fora do normal, além dos padrões. A única coisa que foge ao seu controle é a atração pelo Damião. Mas ela só começou a ceder ao que ela sente pelo Damião quando o marido não ficava com ela.
Isso ameniza a traição da personagem?
Não que ameniza. Se eu for analisar o comportamento dela, acho que ela deveria compartilhar o que está acontecendo com o marido. Mas ela não revela por medo. No início, ela rejeitou o Damião de todas as formas, quis se afastar dele, mas a atração foi mais forte. O Damião tem características diferentes do Elias, que é um cara sensato, mais calmo, ponderado. O Damião acaba ficando com ela em todos os lugares, em casa, no gabinete, ele vai pelo impulso, não pela razão. Mas ela vai ainda mais pelo impulso. Tem cenas que ele até pede para ela parar e ir embora, mas ela não admite, o desejo é maior que tudo.
Como tem sido a reação do público?
Tenho andado muito pouco nas ruas. Mas gravei semana passada no Retiro dos Artistas e várias senhoras e senhores vieram falar comigo: "você não pode fazer isso com seu marido!". (risos) Outro dia, o Thiago Rodrigues (que vive o Cassiano na história) falou: "ah, não gosto de mulheres como a Dedina". As pessoas ficam revoltadas. Não pela traição em si, mas por ela não falar, porque o marido é muito bacana. Eles têm uma relação legal. Não é um cara que merecia ser traído. O pior é que várias pessoas começam a saber e a falar mal dela na história. Mas não acho que ela faça isso por maldade.
Por que você nunca viveu uma vilã na TV?
Porque ainda não me deram. Eu adoraria. O que estou achando bacana com a Dedina é que, pela primeira vez, as pessoas estão me criticando. Sempre me elogiavam porque vivia constantemente personagens carismáticos, bonzinhos, de bom-caráter, mulheres meigas. Todo mundo falava: "ah, gosto tanto de você" e "você é tão doce". Agora gostaria de ter o outro lado também. Queria que me reprovassem.
Além de boazinhas, você sempre fez papéis muito urbanos na TV. Esse perfil ainda a estimula?
Sinto falta de fazer uma brejeira com pé no chão. A minha primeira personagem na TV era assim, a Stefânia (de A História de Ana Raio e Zé Trovão). Não sei porque, mas acho que as pessoas acreditam que eu sou sofisticada. Mesmo a Dedina, que é mais simples, é a primeira-dama da cidade.
A que você atribui isso?
Na TV somos estereotipados pelo biotipo, pela forma que você fala, como se comporta. Tem gente que tem sotaque e não adianta fazer um personagem urbano. É bom quando quebram com isso. Gostaria que me colocassem no mato para lavar roupa, acho que falta o risco na escalação da TV, propor outras coisas.
Mas na minissérie Um Só Coração você viveu uma judia mais velha e sofrida, a Lídia...
Foi a única personagem diferente. O (diretor Carlos) Manga e a (autora) Maria Adelaide (Amaral) resolveram quebrar essa coisa glamourosa que enxergam em mim. Interpretei a mãe da personagem da Débora Falabella. O cabelo do papel me envelhecia, ela era uma mulher com roupa pesada. Isso quebrou um pouco o glamour que me acompanha. Achei bacana.
Muitas actrizes sonham com personagens glamourosas. Isso realmente incomoda você?
Não, mas também é interessante trabalhar com outras coisas. Todo mundo fala que cabelo comprido é a moldura da mulher. Lutei muito para que topassem que eu cortasse o cabelo bem curtinho para viver a Raquel (em Mulheres Apaixonadas). Ela é uma professora de natação, de Educação Física, uma mulher prática. Para um ator, essas mudanças são muito importantes. Talvez o público nem perceba muito, mas para mim é importante buscar uma cara para a personagem. Ser sempre glamourosa também não é legal. É interessante destruir essa imagem.
Você concorda que o Maneco foi quem criou essa imagem em você, desde que você viveu a Cíntia em Laços de Família, uma veterinária charmosa do Leblon?
Meus melhores papéis foram em tramas do Maneco. A Cíntia, a Lúcia Helena (de Presença de Anita) e a Raquel foram meus trabalhos mais marcantes. Mas nem sempre a gente trabalha com prazer. Despertar uma reação boa ou má no público depende do que o autor escreve para você. Mas tive muita sorte na vida desde o meu primeiro teste para ser actriz, com o Antunes Filho. Entrei para o grupo dele logo de cara. Depois, fiz teste na Manchete e fui fazer Ana Raio e Zé Trovão. Depois, o Paulo Ubiratan me viu e me chamou para a Globo. As coisas foram fáceis para mim, as portas foram se abrindo, mesmo sem experiência.
Sem pedras no caminho
No final da adolescência, Helena Ranaldi foi uma modelo atípica. Descoberta por acaso através de um fotógrafo amigo da família, a actriz fez um ensaio amador que foi encaminhado para uma agência de modelos. Mesmo gordinha e com o rosto cheio de espinhas, a adolescente começou a ser chamada para diversos trabalhos publicitários.
"Eu adorava comer. Não tinha cabeça de modelo. Gostava mais de fazer comerciais do que posar para modelo. Foi quando fui fazer curso de Teatro com o Antunes Filho", lembra.
Como fazia diversos comerciais por mês, Helena começou a se sustentar e foi morar sozinha. Logo depois, passou num teste para sua primeira novela na Manchete, A História de Ana Raio e Zé Trovão, em 1990. Na seqüência, atuou em Amazônia, um dos fracassos da teledramaturgia da emissora.
Em seguida, foi convidada para fazer tramas na Globo, como Despedida de Solteiro e Olho no Olho. Em seguida, a direção da emissora a chamou para apresentar o Fantástico ao lado de Pedro Bial.
"Não aceitei de imediato. Mas percebi que poderia ser bom para minha carreira. Mas morria de vergonha. Preciso sempre de um personagem como escudo para me proteger", argumenta.
Estreia tardia
Apesar de comemorar 18 anos de carreira e 15 trabalhos na TV, Helena Ranaldi nunca havia pisado num set de cinema até o final do ano passado.
Um dos maiores desejos da actriz era poder atuar numa produção para a telona. Mas os anos foram se passando e ela quase chegou a desistir de ser convidada. Tanto que quando recebeu o telefonema do diretor André Sturm para protagonizar o longa Bodas de Papel, que estreou este ano, Helena mal acreditou.
"Não estou no meio do cinema, por isso nunca era chamada. Agora espero não parar mais. Estreei como protagonista, há tempos não comemorava tanto um convite", anima-se a actriz, que também se orgulha do longa ter sido eleito o Melhor Filme por júri popular no Festival de Cinema de Recife e ter sido convidado para o Festival de Cinema Brasileiro em Nova York.